A Bíblia possui uma história libertadora, embora a distorçam com pretexto de culto ao divino, por completa ignorância ou por falta de imaginação para apreender a bondade e o amor de Deus, tema central e fundamental da Bíblia.
Temos em Levíticos diversas recomendações e proibições e, muitas delas, parecem claras em seus fins: livrar o oprimido. Por exemplo, no capítulo 18, há a recomendação de não seguir o caminho da idolatria de nações como o Egito e Canaã, terra da qual o patriarca Abraão saiu para atender ao chamado do Deus.
É interessante que aqueles primitivos, contemporâneos de Abraão, não conheciam o Deus de amor. Nem mesmo Abraão o conhecia e, foi justamente por não o conhecer, que precisou ser provado, tendo que oferecer seu filho Isaque em sacrifício. Deus na verdade não queria provar a fé de Abraão, mas provar a este patriarca que Ele era diferente de todos os outros deuses, criações humanas para oprimir, pois ele é, em essência, amor.
Isso se revela quando Deus diz a Abraão: “Não faças tal!”, pois é como se Deus demonstrasse ser o Deus misericordioso, justo e bom, que Abraão ainda não conhecia. Ele também revelou, com isso, que jamais aceitaria as loucuras dos homens, que oprimem os fracos e inocentes, em nome do ego, dos prazeres ou do sacro, santo e divino.
Por isso, neste mesmo capítulo de Levíticos, há expressa essa proibição: a de nunca oferecerem em holocausto os filhos, como os povos ofereciam a Moloque.
Em Levítico 17 também há uma proibição interessante: a de nunca derramar sangue em sacrifícios aos demônios, por meio da prostituição cultual. Sacrifícios e sexo estavam relacionados nos cultos pagãos.
Entre as práticas de sexo cultual, pode-se destacar a pederastia, que é o coito anal como forma de aquisição de conhecimento espiritual, prática comum no tempo dos hebreus que durou milênios, sendo assimilada por diversas culturas*. Na pederastia, simplificando muito, um jovem (ainda sem pelos, portanto quase criança) assumia o papel sexual de passivo, enquanto o homem mais velho, o sacerdote pagão, dito mais sábio e mais cheio de conhecimento, seria o “bondoso” ativo que lhe transmitiria, pelo coito anal, o conhecimento. Essa era uma das formas da prostituição cultual, e prostitutos e prostitutas cultuais foram chamados, em algumas traduções, de rameiras ou sodomitas, ou como “rapazes escandalosos”.
É possível imaginar a crueldade à qual os jovens (héteros ou não) eram submetidos, sendo o passivo com algum homem mais velho, sem afeto, apenas porque os deuses queriam assim?
Não se tratava de amor, de afetividade, tão pouco de homoafetividade. Se não chegasse a ser um estupro era, no mínimo, um abuso sexual público em nome do divino (porque é difícil acreditar que todos os jovens sentiriam prazer com tal prática, cultural e religiosamente forçada).
Claramente, Deus se enojava disto, e é fácil imaginar o porquê! Deus jamais aceitaria tais práticas em Seu bom Nome! E Ele, bondoso que é, teria que impor um meio para livrar o povo, os jovens, as crianças, os fracos e inocentes de práticas como essas.
É verdade que isso não está escrito, que o motivo das proibições não estão registrados na bíblia, mas, convenhamos, a humanidade precisou ser lapidada para abandonar algumas práticas de perseguição ao mais fraco. E ainda precisa ser muito lapidada!
Mas essa minha “imaginação”, de que a sodomia estivesse associada aos prostitutos cultuais, aos que praticavam coito anal em cultos pagãos, pode ser embasada pela própria Bíblia. Em 1 Reis, no capítulo 14, há a descrição da idolatria de Judá: haviam altares a Asera e também os prostitutos cultuais (traduzido como rapazes escandalosos) e que praticavam o coito anal para adorar aos deuses. Em 1 Reis 15, o rei Asa extirpa do meio do povo toda a idolatria: tirando os rapazes escandalosos (ou sodomitas, isto é, prostitutos cultuais) e os ídolos que os pais dele fizeram (leia também em 1 Reis 22 sobre isso).
Nenhum verso da bíblia deveria ser lido ou interpretado fora do contexto. Alguns contextos se perderam na história, mas a tônica de toda a Bíblia é o de amor divino! O contexto de toda a Bíblia é a revelação do plano de Deus de salvar os homens das suas atrocidades.
É uma crueldade associar essa prostituição cultual, e toda a opressão que dela poderia resultar, ao amor homoafetivo. É uma crueldade dizer que homossexualidade (amor entre pessoas do mesmo sexo) seja a abominação de Levíticos.
Paulo lista os frutos do Espírito, os quais são: amor, gozo, paz, longanimidade, benignidade, bondade, fé, mansidão, temperança. Contra essas coisas ele afirma não haver nenhuma lei. Os que andam em Espírito as seguem e são seguidos por elas. Eu, sendo gay, consigo perceber esses frutos brotando em mim. Como posso não ter o Espírito fazendo morada em meu coração? Como posso ser uma abominação e ter frutos do Espírito? Como posso ser uma abominação e amar, a ponto de chorar pelos marginalizados ou por aqueles que percebo estarem tão longe de Deus, desejando que eles se acheguem aos braços do Pai celestial? Como posso ser uma abominação e dormir e acordar, diariamente, lembrando de Deus e do seu grande amor, dando a ele graças pela paz sempiterna que reina no meu coração?
Recomendo a todos, independente da sexualidade, que amemo-nos fraternalmente, pois todo o ser humano que conseguir amar é nascido de Deus e Deus vive nele (ao menos João ensinou isso na sua carta). E vivamos em Espírito, compreendendo que propagar o ódio, legitimar preconceitos e oprimir em nome de Deus foram, em Levíticos, abominações insuportáveis para Deus. E creio que ainda sejam.

—
*Recomendo a leitura do artigo: Revisão histórica e psicossocial das ideologias sexuais e suas expressões, de Dilcio Dantas Guedes, 2010.
—
Tags: CCB; gay; homossexual; homoafetivo; cristão; crente; Congregação Cristã no Brasil; LGBT; homo ccb.