#023: Sobre Aos Romanos 1

Quando escrevi minha primeira carta a um irmão ancião[1] o contexto de Romanos 1 me deixava intrigado. Eu questionava o irmão, às lagrimas, sobre as desvirtudes descritas nesse capítulo da carta de Paulo, tradicionalmente relacionado à homossexualidade, e que eu sabia não fazer parte do meu caráter, embora fosse gay.

De fato, esse ainda parece ser o texto bíblico[2] que mais dá munição tanto aos discursos homofóbicos dos que se dizem cristãos como para a tentação do blá-blá-blá-diabólico que diz: Você sabe que Deus não te ama, e que Deus te despreza, e que você é uma abominação?

Eu nunca poderei dizer a ninguém que Deus tolera uma relação homossexual. Jamais. Igualmente nunca poderei afirmar que Ele não a tolere. Na verdade, os que estão convictos quanto ao posicionamento de Deus em relação à sexualidade natural de suas criaturas, baseiam a aversão à homossexualidade em poucos textos bíblicos: Gênesis 19, Levíticos 1 e 20, Romanos 1. Além desses, há os versos isolados de 1 Coríntios 6:10 e 1 Timóteo 1:10 também utilizados para matar a fé e a alma de homossexuais cristãos.

Contudo, eu apresento outros dois contextos que escapam dos que não querem homossexuais em suas igrejas e, muito menos, no seu céu: Deuteronômio 23:17-18 e 1 Reis 14:24; 15:12; 22:47.

Na versão da Bíblia utilizada na Congregação Cristã no Brasil[3],nos versos citados de Deuteronômio, lemos:

Não trarás salário de rameira dentre as filhas de Israel, nem haverá sodomita dentre os filhos de Israel, não trarás salário de rameira nem preço de cão à casa do Senhor teu Deus por qualquer voto: porque ambos são igualmente abominação ao Senhor teu Deus.

Rameira é prostituta e sodomita ou cão também deveriam ser entendidos como prostitutos. Não só isso, prostitutos cultuais, como traduzem outras versões da Bíblia[4]. O dinheiro obtido por meio das rameiras ou dos sodomitas não deveria entrar no templo do Senhor. Se sodomita e homossexual são de fato sinônimos, como muitos querem afirmar, gays, não deem coletas!

Exagero à parte, convido a ler o contexto que mencionei de 1 Reis 14. Note que no verso 23  desse capítulo descreve-se a idolatria de Israel (altos, estátuas e imagens do bosque) e, ainda, que haviam rapazes escandalosos na terra. Esse termo – rapazes escandalosos –, por um descuido dos homofóbicos de língua portuguesa[5], não foi traduzido como sodomitas – poderia ser mais um verso para decorarem e matarem os gays com suas duras palavras –, entretanto tem o mesmo sentido de Deuteronômio 23: prostitutos cultuais[6]. O contexto de 1 Reis pode ajudar a perceber essa relação entre sexo e idolatria, o sexo dos cultos pagãos proibido em Deuteronômio 23 e praticado pelos povos anteriores a Moisés, como o escriba de 1 Reis 14 relata: “[havia idolatria em Israel, inclusive o sexo cultual] conforme a todas as abominações das nações que o Senhor tinha expulsado de diante de Israel”.

Em Romanos, o texto utilizado para condenar os homossexuais está concentrado[7] a partir do verso 18 do capítulo 1. Peço que releia o capítulo 1 e 2 de Romanos antes de seguir com a leitura deste meu texto.

Note que o contexto de tal epístola trata da idolatria e depravação daqueles que tendo conhecido a Deus não o glorificaram como Deus, tão pouco Lhe deram graças e, ainda, mudaram a glória de Deus reduzindo-O à semelhança da imagem de homem terreno ou de aves e outros animais. Alguns romanos crentes (eles conheceram a glória de Deus!) retornaram ao ritual pagão, servindo mais à criatura e à mentira e mitologias do que ao Deus da verdade e justiça.  Deus, que já havia se revelado a eles, não os impediu que retornassem à mentira, ao sexo cultual[8].

Os versos 25 e 27 parecem fazer menção a homens e mulheres heterossexuais que perverteram sua natureza, deixando o uso natural[9] que tinham (a mulher do homem, e vice-versa) para se inflamar em sua sensualidade.

Observe que o verso 28 afirma que essas pessoas não se importaram em ter conhecimento de Deus. Praticavam toda sorte de sexo – inclusive aquele que não lhes era natural , isto é, com pessoas de mesmo sexo – e pouco se importavam com a moralidade cristã, com o sexo por afeto, com respeito e dentro de uma relação emocionalmente saudável. Eles promoviam orgias em louvor aos deuses pagãos ou para alimentar a sua própria perversidade, a ponto de mudar sua natureza heterossexual no culto à carnalidade.

Na sequência, Paulo descreve também o caráter dessas pessoas e demonstra o quanto romperam com a doutrina cristã – o amor fraternal, ao qual devem ter se sujeitado em algum momento –, pois não se importaram com ela, já que não se importaram em conhecer o Deus da verdade e de amor e chegaram ao ponto de se tornarem homicidas, infiéis, cheios de contenda e de maldade, inventores de males e, destaco, sem afeição natural, irreconciliáveis e sem misericórdia.

Romanos 1 nos adverte que dos céus se manifesta a ira de Deus sobre qualquer impiedade e injustiça dos homens que detêm a verdade em injustiça. Ora, se sufocar o desejo de servir a Deus e a fé de um gay cristão for um ato de piedade dos que se dizem cristãos, e se dizer que um gay não pode ser cristão não for uma deturpação da suprema verdade – que é: Cristo salva e ama a todos que se achegam a ele – em injustiça, precisaremos redefinir o significado que atribuímos à longanimidade, à benignidade, à afeição fraternal, à misericórdia e a todos os demais frutos do Espírito.

Pode ser que não estejamos voltados à idolatria ao ponto de construir estátuas ou altos do bosque, porém se a imagem que construímos de Deus é a do Deus que não salva ou não ama o gay abatido que vive O buscando, chorando e implorando por uma “cura” inalcançável, ou a do Deus que ouve a oração desses homossexuais que tanto já desejaram ser cristãos livres dessa “abominação” e não os “cura”, ou a do Deus que, podendo, não os livra desse “espírito diabólico”, creio que estamos reduzindo o Deus verdadeiro à imagem do homem corruptível, sem afeição e sem misericórdia, assim como os romanos o fizeram.

Não, não é o Deus da verdade que não ama o homossexual!

Se há algum deus que não ama o homossexual é justamente esse deus construído segundo a imagem preconceituosa dos homens que converteram a verdade em injustiça.

Aos gays cristãos recomendo que se revistam de justiça e de piedade, virtudes divinas, e que vivam de fé em fé crescendo no conhecimento de Deus que os livra da insanidade dos homens que se julgam sábios, mas que se tornaram loucos.

Se de fato há gay cristão, se de fato você se diz cristão, seja justo e piedoso e não perverta o amor incondicional de Deus, sua maior verdade – Cristo –, em injustiça, porque está escrito: Mas o justo viverá da fé.

[1] Texto 2 di blog

[2] Eu já escrevi de maneira superficial o quanto Levíticos não deveria ser posto em prática na atualidade (Texto 15 do meu blog) e como Sodoma e Gomorra não foram destruídas por causa da homossexualidade (Texto 12 do meu blog). Porém alguns entram em contato e me questionam sobre Romanos 1.

[3] João Ferreira de Almeida, Edição Revista e Corrigida na grafia simplificada

[4] Nova Versão Internacional: Nenhum israelita, homem ou mulher, poderá tornar-se prostituto cultual, não tragam ao santuário do Senhor, o seu Deus, os ganhos de uma prostituta ou de um prostituto…
Nova Tradução na Linguagem de Hoje: Nenhum israelita, mulher ou homem, praticará a prostituição nos templos pagãos…

Tradução Brasileira: Das filhas de Israel não haverá quem se prostitua no serviço do templo, nem dos filhos de Israel haverá quem o faça. Não trará … o aluguel de uma prostituta ou o preço desse cão…

[5] Na versão inglesa King James lê-se sodomites, e na versão da Tradução Brasileira, sodomitas.

[6] As versões da Nova Versão Internacional e da Nova Tradução na Linguagem de Hoje traduzem “rapazes escandalosos” como “prostitutos cultuais”.

[7] Originalmente a Bíblia não era dividida em versos ou capítulos, ou trechos com subtítulos como temos hoje. O livro de Romanos, por exemplo, é uma carta que deveria ser lida do começo ao fim, como um texto único. Também é importante saber que os títulos dados às seções, que dividem um capítulo, não constam no original e foram elaborados segundo o entendimento de quem leu aquele trecho (há, inclusive, títulos incoerentes como o de Lucas 13:10 que diz “Cura da mulher paralítica” que, na verdade, apenas andava encurvada como explica o texto bíblico). Na Congregação há o ensinamento dado ao Ministério de que não seja lido apenas um verso para exortar a Palavra, mas sim todo um capítulo, afinal, texto fora de contexto é pretexto. No subtítulo de Romanos 1:18 lê-se “a deturpação dos gentios”, porém pelo contexto pode-se compreender que se trata da deturpação daqueles que uma vez foram cristãos e se voltaram às práticas pagãs.

[8] Não sou historiador, mas relembro vagamente das aulas de História e da referência ao sexo nos cultos pagãos da mitologia greco-romana. Salvo engano, entre outros, os deuses Baco e Afrodite podem ilustrar as orgias pagãs. O termo bacanal, por exemplo, surgiu dos rituais ao deus Baco.

[9] Se esse “uso natural” se referir ao sexo para procriação, é preciso reorientar muitos casais heterossexuais cristãos quanto à prática do coito anal dentro do seu legítimo casamento heterossexual. Eu não imaginava essa prática entre casais heterossexuais, contudo, ultimamente tenho ouvido diversos relatos havendo inclusive alguns cristãos tradicionais que o consideram como natural (apenas entre o homem e a mulher, já que lhes convém!). Se o “uso natural” se referir ao sexo original, para procriação, é necessário esclarecer aos casais héteros que a boca naturalmente é um órgão do sistema digestivo e, por isso, o sexo oral também não é natural. Eu não conseguia dar crédito a relatos que que diziam que heterossexuais se “aproveitam” da situação fragilizada de alguns jovens homossexuais e mantêm alguma relação com esses, porém os relatos são tão recorrentes que, talvez, seja a essa perversão da natureza (um heterossexual buscar prazer com alguém do mesmo sexo) que a Palavra condene, já que é um sexo por diversão ou por curiosidade e que, na maioria das vezes, o apenas o homossexual é escrachado após a relação. Ainda, é preciso considerar que é uma brutalidade um homossexual ser orientado a reverter sua natureza homossexual. Se eu sendo gay mantiver uma relação de “fachada” apenas para me enquadrar na heteronormatividade eu não estaria indo contra a minha natureza? Em se tratando de sexo, qual é o “uso natural” para um homossexual? A moralidade não deveria, jamais, tornar-se hipocrisia. Eu também sou cristão, sim.

11 comentários sobre “#023: Sobre Aos Romanos 1

  1. A paz de Deus! Se o irmão, você pode escrever sobre ser homossexual e receber o selo da promessa (dom de novas línguas)? Você conhece alguém que conseguiu? Seria possível, mesmo com tanta turbulência dentro de mim?Deus abençoe!

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  2. Amém, querido! Só vi agora seu comentário. A noite tento lhe responder algo. Se quiser, me envie e-mail. Adianto que vc deve se lembrar de que essas práticas não são exclusivas dos gays. Não se atormente demasiadamente por isto.

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  3. Perdoe-me a demora. Sinceramente, esqueci deste comentário. E, ainda assim, não tenho a resposta a vc. Se, no entanto, vc está com problemas devido a frequência exagerada dessas práticas, sugiro fortemente que busque ajuda profissional, como um psicólogo. Quando reprimimos demais nossos desejos pode ser que eles se manifestem de outras formas e, por sermos privados de sexo, a masturbação é a principal delas e, consequentemente, a pornografia. Sei que o ideal era que não tivéssemos essas práticas, mas a masturbação é praticamente natural e não vivemos num mundo ideal. Sobre a prática da masturbação, em uma reunião aberta um ancião disse ser uma \”válvula de escape\”, claro que se tratava do escape para héteros, mas, pq nos condenamos tanto até quanto a isso? Porém em demasia pode indicar a necessidade de ajuda profissional, sim. Não tenha vergonha! Todos somos sexuais (com exceção dos assexuais), e os desejos por sexo são naturais, porém não é conveniente que te perturbem ou prejudique de alguma maneira! Consulte um profissional e me mande email falando como foi. Não se reprima demasiadamente!

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  4. Não sei o que seria ��considerado \”normal\” (aceitável), geralmente eu pratico de 1 a 3 vezes por semana, já em relação a pornografia é bem mais raro, tenho me controlado melhor nesse aspecto, mas a verdade é que a minha vontade era de nunca fazer isso, eu sempre me sinto horrível depois de fazer essas coisas… Não consigo achar certo, é tão complicado…Acho que mesmo se eu fosse hetero eu não me sentiria bem fazendo isso, mas por ser homossexual isso me afeta muito mais. Eu queria não ter esses desejos, mas infelizmente não tenho visto a ajuda de Deus nesse aspecto, não consigo me livrar disso, e também não consigo me aceitar. Ultimamente não vivo, só existo.

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  5. Compreendo e posso dizer que compartilhei desse sentimento por muito tempo. Acho que 1 a 3 vezes por semana é normal, sim. Não podemos viver em função da sexualidade nem viver negando que somos sexuais. Há muito tempo, já tentei ficar até sem masturbar, o resultado eram poluções noturnas. De um modo ou de outro, nosso corpo precisa disto. Também entendo muito bem sua repulsa no \”pós-masturbação\”, fomos criados e ensinados que o sexo é absolutamente errado fora de certos padrões, mas vc acha mesmo que Deus criaria nosso corpo precisando de algo que não podemos lhe dar e, aí, nosso corpo acha um escape como a automática polução noturna? Sei que a quebra de paradigma não se dá de uma hora para outra, mas rejeitar completamente que somos seres sexuais pode ser não-saudável e danoso, inclusive espiritualmente, pois uma hora não suportamos esse jugo que não é de Deus senão dos homens.É como Paulo disse: não me conformo como vcs ainda estão presos às regras como \”não toques, não proves, não manuseiem\” coisas que são doutrinas de homens e que perecem, ainda que tenham alguma aparência de devoção, de sabedoria, de disciplina do corpo, mas não são de valor algum senão para a satisfação da carne.Será mesmo que santidade tem a ver com negação quase completa da sexualidade? No nosso caso, como homossexuais, será que santidade tem a ver com rejeitarmos completamente nossa sexualidade? Ou será que isso é apenas uma disciplina do corpo que não vale de nada senão para batermos no peito e dizer \”sou santo, pq controlo meu corpo\”.Em tempo: não estou querendo insinuar que o extremo oposto, entregar-se completamente à sexualidade, seja o conveniente, mas cada podemos chegar à temperança, uma vida moderada. Costumo ouvir na igreja que nossa vida deve ser 50% espiritual e 50% material, não dá para ser só espiritual ou só carnal, mas temos de aprender a ser moderados em tudo, inclusive sexualmente, não?

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