#036: Eu sou um cordeirinho

Após algumas crises depressivas fortes e solitárias, com pico em 2013, eu comecei a pleitear com Deus, questionando-O e cobrando que Ele tivesse alguma ação efetiva em minha vida, no que se referia a minha sexualidade, até então, muito mal resolvida.

Eu ainda não era completamente capaz de entender Deus para além da igreja e, ainda, havia muito em mim que acreditasse na Congregação como O caminho para a salvação (em uma terrível idolatria minha, porque atribuía à instituição religiosa aquilo que deveria ser conferido exclusivamente a Cristo).

No meio de 2014, com o retorno de crises depressivas, eu estava decidido mudar-me para longe, onde ninguém me conhecesse, a fim de me permitir viver em paz, sem aquele medo de causar escândalo à igreja caso eu vivenciasse minha sexualidade, porque eu percebia que já não podia suportar escondê-la ou negá-la.

É interessante que meu medo não estava relacionado a Deus, mas ao potencial escândalo que minha homossexualidade poderia causar aos irmãos e à congregação em si. Havia, sim, momentos em que eu vacilava na fé da minha salvação, dias em que eu duvidava poder alcançar a salvação, e era atormentado com os terrores de ir para o inferno. Mas não era exatamente um medo de Deus, nem um medo de Ele me detestar, até porque, sempre que eu me sentia acusado, as Palavras diziam o contrário e me justificavam: elas continuamente afirmavam que era amor e não ódio o que Deus sentia por mim. E eu tinha de crer nisso!

Lembro-me de, ainda muito jovem, ter tido estímulos sexuais por ver um homem em uma revista aleatória que estava em minha avó, o homem sem camisa etc. Por isso, por não querer sentir o que sentia, chorei horrores, com muito desgosto de ser quem eu era e, com o pouquíssimo conhecimento da Bíblia que eu tinha à época, me veio a passagem em que o sumo sacerdote Josué é justificado e purificado com a brasa viva, trazida na tenaz pelo serafim (eu sequer sabia onde estava escrito isso). Coincidência ou não, no culto daquele dia a passagem lida foi justamente essa e eu (viado que já era!) chorei horrores (porque homem não chora! chora sim!) logo na leitura ao perceber o assunto.

O fato é que Deus jamais se ausentou ou se distanciou de mim, se considerarmos que é Ele quem fala por meio das Palavras pregadas na Congregação. Com base nas pregações que eu sempre ouvi, eu jamais me senti excluído [1] porque sempre entendi que Deus me queria ali na igreja, como um de seus cordeirinhos.

Contudo, em 2014, com meus 26 anos, eu comecei a querer fugir, não de Deus, mas da igreja. Minha intenção era me mudar de São Paulo para Santa Catarina, inclusive fui até esse estado para ajustar um trabalho. Assim que voltei do Sul, congregado na central de São Carlos/SP e do lado de fora da igreja (costume que eu jamais poderia supor que eu adquiriria, pois eu sempre chegava cedo para tocar nos cultos…) eu ouvia a Palavra, que me dizia (nas poucas vezes que presumi uma confirmação divina em assunto material) que Deus cercaria meus caminhos e que me faria ir para outro caminho que não o que eu planejava.

Semanas depois, mudei-me para Ribeirão Preto/SP, a trabalho em um emprego que surgiu na mesma semana dessa Palavra que citei. Lá, em vez de me esconder, como pressupunha ser o melhor, a primeira coisa que fiz foi ir a uma Reunião de Jovens. Apesar de já não me sentir um dócil cordeirinho, por estar bastante relutante com o Senhor, em um dos dias mais depressivos que tive nessa cidade, minha “libertação” veio por meio da lembrança da poesia do hino 441 [2], enquanto andava por uma das vias daquela cidade, pois compreendi que mesmo me sentindo sozinho em um deserto eu poderia ter a certeza de que Cristo estava bem perto, porque residia em mim, em meu coração.

Eu tenho evitado escrever textos, pois não gostaria de apenas criticar a igreja, ou suas tradições e práticas, ditas cristãs, mas que excluem os homossexuais, pois os faz se anularem e repugnarem a própria essência, a própria natureza sexual. Esse cuidado, apesar de nele eu falhar miseravelmente, vem do fato de que, embora afastar-se da igreja possa ser necessário para curar as feridas de muitos cordeirinhos homossexuais, esse distanciamento não vem sem lhes causar outras feridas.

É com orgulho que, por muito tempo, dizemos (ou dissemos) o “eu nasci e cresci na Graça!” ou o “eu sirvo a Deus, por graça e misericórdia, na Congregação!”. É comum a igreja tornar-se algo que cada membro, inclusive aqueles que são homossexuais, coloca em lugar de destaque na vida, a ponto de confundir a instituição com o próprio Cristo (explícito no uso do termo Graça como sinônimo da igreja [3], por exemplo). Pertencer à Congregação é motivo de orgulho e, ainda que apanhando com muitos discursos homofóbicos, somos (ou fomos) capazes de encher o peito com prazer ao dizer que somos crentes da Congregação.

Lutamos e nos debatemos muito, com o intuito de conseguir nos moldar às tradições. Ainda que isso nos fira dia após dia, desejamos arduamente permanecer na igreja à maneira como somos ensinados e, no que se refere à homossexualidade, debatendo-se contra ela. Não se trata apenas de não fazer “sexo homossexual”, mas de empregar energia emocional e psicológica tão demasiada que, em algum momento, somos consumidos ou de incontrolável tristeza ou de enorme falta de fé. Mas sair da igreja, abandonar os costumes que em outro tempo nos eram quase divinos, abrir mão de tocar na orquestra ou de outras liberdades que temos, ignorar as próprias crenças… para sofrer menos com a homofobia cristianizada, nem sempre é menos doloroso do que permanecer na igreja.

Apesar de essa homofobia ser incoerente e de ela precisar ser, sim, debatida e criticada à luz do próprio Evangelho e da mensagem de Cristo, acredito que a Congregação possa ser um lugar que sirva de aprisco também para os cordeirinhos homossexuais. É difícil ignorar alguns discursos e mais ainda se lapidar para caber neles, mas os homossexuais que não conseguirem enxergar Cristo para além da igreja (qualquer seja ela!) podem, no mínimo, se apoiar naquilo que há de belo em cada uma. Pode confiar que Jesus é, sim, seu Pastor; pode confiar que, ainda que a homossexualidade fosse, de fato, a abominação que dizem ser, Cristo coloca em seu braço cada cordeirinho gay e os carrega consigo para levá-los a um aprisco de verdadeira paz.

É difícil acreditar que a homossexualidade não é pecado e, presumo, é impossível de se provar isso à maneira como querem (a única prova é a ação do amor de Deus na vida de cada um, mas isso não perece ser suficiente para muitos). Contudo, é indiscutível que Deus ama a todos, pois quer que todos se salvem. Se assim é, seria bastante incoerente Ele não desejar exatamente o mesmo àqueles que O amam, ainda que sejam homossexuais.

O hino Eu sou um cordeirinho é bastante conhecido pelos irmãos da CCB, pois talvez seja o primeiro hino que toda criança aprende a cantar. Por isso mesmo, eu jamais poderia esperar haver alguma libertação nele, no sentido de uma reflexão que promovesse em mim tranquilidade e paz de espírito, pois tornei-o comum. Ao me atentar para a beleza da singela poesia desse hino e perceber a profundidade daquelas palavras, quase ignoradas, encontrei libertação e alívio às minhas tribulações.

É nesse aspecto que recomendo (enquanto não se consegue compreender Cristo para além de qualquer igreja) procurar olhar mais para a beleza que há no meio cristão, pois, apesar de toda a homofobia e incompreensão que a maioria dos frequentadores de igrejas têm, sempre há aquele irmão ou aquela irmã em cujo amor cristão e fé verdadeiros acharemos descanso, carinho e fraternal afeto. É nisso que os verdadeiros cristãos se distinguem do joio: em ter a fé pequena como o grão de mostarda, mas capaz de tornar-se uma enorme árvore em cuja sombra os pássaros encontram alívio e descanso.

Se, ainda assim, tudo na igreja parecer nos rejeitar, devemos crer ao menos na profecia que aprendemos a cantar desde a nossa meninice: “O meu Pastor amado me guia até o fim!”.

Apesar de viadinhos, somos todos cordeirinhos da sua grei!

[1] Embora eu não tenha me sentido excluído ou diretamente acusado em nenhum culto, tive o privilégio de sofrer menos por não ser efeminado e, por isso, ninguém desconfiava de mim para me direcionar pregações nesse contexto (acontecia justamente o contrário, apesar de minha homossexualidade, recebi inúmeras pregações exaltando meu testemunho e me fazendo promessas que jamais fariam para um homossexual, como que Deus prepararia meu matrimônio – quando eu não buscava um -, ou que minha esposa já estava preparada e logo eu a encontraria – quando eu não buscava uma -, ou, até mesmo, que eu faria parte do Ministério, que eu seria pregador etc. – é importante provar os espíritos, e discernir aqueles discursos que vem de Deus e fazem nos achegar a Ele daqueles que vem do homem, ainda que digam ser em nome de Deus!).
Por vezes, já recebi relatos de jovens homossexuais que disseram terem sido acusados diretamente, com o dedo do pregador sendo apontado para eles, figurativa ou literalmente. Eu, em qualquer contexto, sempre desconfio de pregações direcionadas. Talvez não seja à toa que há, inclusive, ensinamentos oficiais da CCB orientando aos pregadores que não façam isso e condenando a prática. Além disso, é como está escrito: “Ai do homem que diz ‘O Senhor te manda dizer’ quando Deus não disse nada!”. A pregação verdadeira não é, jamais, a que nos faz duvidar do amor, misericórdia e compaixão divinos, mas é toda aquela que nos aproxima de Deus, dando-nos certeza e confiança do Seu amor e da salvação!

[2] Hino 441 – Eu sou um cordeirinho

[…] “Sozinho no deserto, jamais eu posso andar.
Jesus está bem perto, a fim de me guardar.
É grande o cuidado que ele tem por mim.
O meu Pastor amado me guia até o fim”

[3] O hino em que cantamos “Graça maravilhosa” ilustra esse fato. Por muito tempo um crente pode cantá-lo imaginando a Congregação em lugar do sacrifício impagável de Cristo, a graça e misericórdia.

7 comentários sobre “#036: Eu sou um cordeirinho

    • Louvado seja Deus!! s2
      É muito fácil a gente focar naquilo que nos faz mal, e ficar angustiado por isso. Mas quanto mais conseguirmos nos aconchegar no belo e no amor verdadeiramente cristão, e na graça verdadeira de Jesus, mais encontraremos paz.
      Mantenha contato sempre que precisar.
      Deus lhe abençoe!

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  1. A sociedade tem cunho homofóbico e machista, porém nas igrejas cristãs protestantes são mais fortes.
    Tudo isso pq alguns de seus frequentadores justificam seus preconceitos em versos soltos na Bíblia…
    É importante dizer que Cristo, em nenhum momento, condenou a sexualidade alheia. Ele só pregou o amor puro e o perdão.
    Temos que nos pegar nos passos Dele e saber que somos sim Cordeirinhos de sua grei e que tal condição não nos afasta te seu amor.

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  2. Comecei a terapia porque tive crises de ansiedade por conta dessa questão em minha vida. Há três anos eu me converti e foi uma experiência maravilhosa conhecer Jesus e ter uma relação íntima com Deus. Porém, entrei numa crise de identidade porque entrei em conflito com a minha sexualidade. Passei por períodos deprimida e foi muito difícil trabalhar minha mente para continuar em frente bem o máximo possível… Mas essa crise dura até hoje, mesmo depois de tanto tempo, ainda me sinto triste e muito culpada por não ter sido capaz de abrir mão da minha sexualidade. Me sinto culpada por não querer e por não concordar em abrir mão. Estou muito cansada, de verdade. Lembro o quanto fiquei feliz sentindo a presença de Deus… Mas veio essa entrave e acabei que afastando. Foi doloroso. Mas não aguentei.
    Ultimamente tenho dado uma chance fazendo algumas pesquisas mesmo que com muito medo. Fico feliz em saber que existe pessoas como você. Pra mim importa muito saber que é possível ser cristão e lgbt.
    Em relação ao hino, frequentei A CCB na infância até aos 7 anos e lembro bem que gostava muito desse hino. Foi marcante para mim.

    Curtido por 1 pessoa

    • Que maravilhoso é receber relatos como o seu!
      Espero que você consiga lidar com seus sentimentos e fé e, principalmente, que você nunca se sinta rejeitada por Deus, mas, sim, muito amada por Ele. Se puder, é ótimo um acompanhamento com psicólogo! E entre em contato sempre que sentir necessidade. Pode enviar email ou me contatar pelo instagram. Um grande abraço!
      Deus lhe abençoe imensamente!

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