#043: Por que eu, LGBTIA+, nunca deveria sair da CCB?

Em Reuniões de Jovens ou em Reuniões de Mocidade, era comum eu ouvir algum tipo de conselho que seguia a seguinte estrutura:

  • o ancião contava um “testemunho” de algum jovem que tinha pecado “de morte”;
  • o ancião descrevia o estado de desespero do tal jovem;
  • o ancião transmitia uma suposta mensagem desse jovem à mocidade que era algo assim:

“Irmão! Eu não posso mais entrar na CCB, eu não tenho mais a graça, mas fala para a mocidade não largar esse caminho santo, pois eu gostaria de ter a liberdade de estar na graça, mas perdi a salvação.”

  • o ancião encerrava com um conselho do tipo:

“Por isso moça, por isso moço, não abandone a graça, pois muitos que se foram, desejam voltar e não podem. Fique aqui para não cair nesse estado de desgraça.”

Eu sei que, atualmente, tem havido circulares, cartas e ensinamentos que tratam um caráter de graça e salvação mais coerente do que aquele que era praticamente oficial (senão, predominante) na CCB e que colocava as pessoas “desviadas” em situação de desgraça.

Talvez discursos que seguiam a estrutura que apresentei nem sejam mais proferidos nos púlpitos. Será? Tenho minhas dúvidas.

Acontece que, mudando o texto dos ensinamentos ou não, essa sensação de desgraça para aquele que se desvia do santo caminho ainda paira sobre o imaginário de muitos, principalmente dos jovens que tiveram a “felicidade” de nascer e de crescer na CCB e não precisaram conhecer “o mundo”.

Eu, enquanto jovem “afortunado” com esse privilégio que fui, cresci com o medo, o pavor e o terror de, algum dia, não ter mais a liberdade na CCB e, pior, de cair da graça.

Foi por isso mesmo, mais do que por amor legítimo a Deus e a Jesus, que eu permaneci tanto tempo na CCB, mesmo percebendo (e ignorando) tantas incoerências nos discursos que ouvia ali.

Um mesmo assunto relevante para a salvação de alguns poderia ser abordado de modos diferentes por anciães distintos e isso para mim, apegado à lógica e à razão matemática, era impreciso demais.

Romper com a CCB, ainda que não oficialmente, foi difícil. São muitos os fatores que levam a essa dificuldade: o medo do pecado, o medo do inferno, o medo da condenação fora da CCB. Mas não só o medo teológico. Havia também o receio de perder os amigos tão queridos, de ser desprezado pelos irmãos, de fazer a família sofrer.

Quando percebi que meus textos no blog http://www.tambemsoucristao.com começaram a ficar demasiados críticos para além de um testemunho de vida e de fé, eu passei a evitar a escrever tanto. Reduzi a frequência e lia e relia infinitas vezes cada texto a fim de verificar se, de alguma maneira, eu não induzia os jovens crentes à falta de fé em Deus, à falta de espiritualidade e, mais ainda, ao “ato pecaminoso” que lhe tirasse a paz, ainda que fosse apenas uma “paz” entre aspas.

Hoje, percebo que talvez eu mesmo tenha sido negligente com os jovens e estivesse muito mais alinhado aos anciães que dizem “não se desvie do caminho; não caia da graça; não tenha uma vida desgraçada como a desses que me encontram na rua e dizem que se arrependem, mas que não têm mais salvação”. Eu estive, mesmo não querendo, alinhado de alguma maneira a esses discursos, pois eu apenas tangenciava o tema homossexualidade e fé em Deus e fé em Cristo e evitava me expor verdadeiramente. Evitava dizer como eu vivia, pois tinha medo de induzir os jovens a viver como eu vivia: primeiro, a partir de quando aceitei que sou homossexual, na igreja questionando; depois, mais fora da igreja do que nela; por fim, não oficial e definitivamente fora dela.

Eu sinto muito aos jovens LGBTIA+ por essa minha falta. Se eu não os disse antes, falo agora: sim, há paz para quem tem um relacionamento homossexual.

É verdade que, como em todo relacionamento, há turbulências. Também é verdade que, como em toda a vida que escapa do padrão hegemônico, que escapa das supostas sãs tradições, é verdade que há desprezo por parte de uns, incompreensão por parte de outros. Porém, a nossa vida não é desgraçada como nos contavam nos púlpitos.

Vi amigos gays namorando, noivando, casando e sendo felizes, nos limites que um relacionamento pode ofertar de felicidade. Felizes verdadeiramente, não porque casaram obrigados a fim de não pecar, não porque estabeleceram uma união porque a irmandade sutilmente lhes impôs… felizes porque conseguiram escapar de um discurso de amor odioso para uma vida de liberdade.

Alguns pararam de congregar, é verdade. Outros refletiram tanto a respeito da fé em Deus que não creem em mais nada. Mas isso não é decorrente da homossexualidade. Isso decorre do sistema religioso que trata Deus como instrumento de ameaças em lugar de um Ser espiritual de amor incompreensível, de salvação gloriosa e paz sem par.

Mesmo com esse blog, eu evitava dizer publicamente que há vida fora da CCB, que há paz com Deus quando se aceita quem é, que há refrigério em Cristo sendo homossexual. Eu evitava dizer que há paz de Deus para quem não caminha nos trilhos ditados pela CCB. Então, abertamente, digo agora: há paz, e paz verdadeira, sem aspas.

PS: o blog não está arquivado; os textos são publicados assim mesmo, aleatoriamente sem uma frequência. Eu recomendo a todos a refletirem a respeito o uso das redes sociais, do consumo excessivo de informações curtas, repentinas e feitas às pressas. Desejo que esse texto encontre a todos bem e que ele sirva como elemento perturbador da “paz” a fim de promover a paz. Hoje (20/4/2024) coloquei em dia os e-mails e ressalto que nunca respondo rapidamente, mas sempre respondo. Precisamos desacelerar um pouco, ao menos é o que eu penso. Tenham uma vida plena!

— Texto (ainda) sem revisão, 20/4/2024.

Um comentário sobre “#043: Por que eu, LGBTIA+, nunca deveria sair da CCB?

  1. Que texto! Exatamente o que tenho sentido no momento ultimamente, há tempos não tenho conseguido congregar, tenho um dilema pq eu não gostaria de deixar de tocar e fazer parte porque amo estar na CCB, mas ao msm tempo vivo uma outra vida que ninguém da igreja sabe! E agora que está chegando a santa ceia, só piora a sensação haha!

    Curtir

Deixe um comentário