Que eu sempre fui gay, não é novidade. Eu sempre soube, embora demorei para aceitar (se é que já aceitei).
Foi mais ou menos assim: brincava mais com meninas (a proporção de primas era maior que a de primos, não tive muita escolha), me dava muito bem com elas. Depois, queria muito um amigo, bem amigo. Aí percebi que achava os meninos muito mais bonitos que as meninas. Na verdade, achar menina bonita parecia errado. Já “mocinho”, batizado, e muito ativo na igreja, rejeitava e fugia de qualquer ideia de namoro com alguma irmãzinha (ainda tenho que fugir, na verdade, as pessoas não se cansam em querer arranjar casamento, mas tenho me frustrado menos com isso, até me divirto.)
Bom, quando moço não teve jeito, vi que realmente eu gostava mais de moço, que eles me atraíam muito mais. Eles me atraíam na verdade, enquanto as moças eram boas amigas e só.
Acontece que fui hipócrita por muito tempo, e isso porque eu era extremamente ignorante, não tinha nenhum conhecimento. Ao tentar me entender, como moço crente “exemplar” que eu era (e talvez ainda eu seja), era impossível conciliar minha sexualidade “anormal” com minha religiosidade, absolutamente, “normal”.
Primeiro eu rejeitei minha sexualidade (como se as forças carnais fossem suficientes para isso). Depois que vi que não tinha como rejeitar (afinal, nasci assim), passei a tentar entender o que Deus poderia querer de mim, já que Ele havia depositado uma fé enorme em eu coração e, também, uma sexualidade divergente do padrão sexual aceito entre cristãos.
A primeira ideia que me veio à cabeça, embora eu não pudesse acreditar completamente nela, era a de que eu nunca me relacionaria e, assim, poderia “julgar” os que se entregaram à “carnalidade”.
Eu pensava assim, perdoem-me.
Eu pensava que Deus “precisava” de mim para que, no último dia, Ele pudesse dizer aos gays que se relacionaram: Olhem, esse meu servo sentia o mesmo que vocês, mas por amor a mim, rejeitou sua sexualidade e, por isso, vai se alegrar no meu reino.
É vergonhoso, muito, mas eu pensei assim. Não acreditava muito, mas era a única forma que eu conseguia conciliar minha sexualidade com minha religiosidade.
É como se eu batesse em meu peito, olhasse para o céu e falasse: Deus, meu Senhor, graças te dou porque eu não sou como os demais pecadores, os demais homossexuais, não me entrego à carnalidade.
Eu dou graças a Deus que hoje, por meio de uma situação esmiuçou essa minha hipocrisia, eu tenho orado: Tem misericórdia de mim, porque sou pecador.
E oro assim não porque eu sou gay. Não. Oro porque percebi que ninguém, jamais, é digno do reino de Deus. Percebi que ninguém pode bater no peito e dizer: não sou pecador.
É verdade que em Jesus não somos pecadores, mas isso não significa que seremos perfeitos.
Percebo que minha sexualidade, fora do “padrão”, não veio para que eu condenasse os demais gays, mas para que eu me fizesse humilde, amasse o diferente e, graças a Deus, pudesse desfrutar do Seu reino desde essa minha vida terrena.
Eu não consigo imaginar o crente religioso que eu seria, se fosse exatamente quem sou, mas heterossexual. Eu só pude entender que Deus ama o diferente, porque eu mesmo provei desse amor, mesmo sendo homossexual.
Foi minha condição sexual que me fez mudar de uma oração como a do fariseu*, para uma oração como a do publicano, tão odiado e desprezado dos judeus que se sentiam superiores, pois confiavam em si mesmos, crendo que eram justos. Jesus disse a estes: o publicano em sua humilhação, por Deus será exaltado, enquanto que o fariseu, por seu orgulho, será humilhado.
É claro que há gays que exaltam-se a si mesmos, ou heterossexuais que são humildes. Não é a sexualidade que determina isso, claro que não.
Mas eu posso dizer que Deus ama a todos, com muita certeza, porque eu mesmo sei que ele me ama (ele me disse e me confirmou muitas vezes, continua me confirmando, sempre). Sei que ele me ama, mesmo eu sendo o que sou, porque Ele eliminou meu orgulho e resplandeceu em mim o seu amor.
Minha oração tem sido essa: tem misericórdia de mim, pois não sou justo. E mais esta: permita que todos oprimidos e cansados, que são perseguidos e desamparados espiritualmente apenas porque sentem exatamente o que eu mesmo sinto, possam conhecer o teu grande amor, que possam se achegar a ti, independentemente do que os religiosos dirão, e estejam, enfim, contigo em teu reino. Amém.
Deus rejeita os soberbos, orgulhosos, mas dá graça aos humildes.